sábado, 7 de outubro de 2017

EU TIVE UM SONHO, VOU MIGRAR PARA SÃO PAULO

       
Ouça a música: https://www.youtube.com/watch?v=SLvlzO3Gmto


   
      "Eu conto história das quebradas desse mundaréu, lá de onde o vento encosta o lixo e as pragas bota os ovos. Falo da gente que sempre pega a pior, que come da banda podre, que mora na beira do rio e quase se afoga toda vez que chove, que só berra da geral sem nunca influir no resultado. Falo dessa gente que transa pelos estreitos, 'escambosos' e esquisitos caminhos do roçado do bom Deus. Falo desse povão que apesar de tudo é generoso, apaixonado, alegre, esperançoso e crente na existência melhor na paz de Oxalá. Quem quiser saber meu nome não precisa nem perguntar. Eu me chamo Ogi"

    Nesta publicação iremos nos deter a obra "Crônicas da Cidade Cinza" do Rapper Rodrigo Ogi. Eu, particularmente, a trato como uma obra genial de um teor complexidade incrível e genuinamente urbana. Algumas faixas, no meu modo de ver e levando em consideração o conteúdo, se sobressaem. Em destaque, Cidade com Nome de Santo, Profissão Perigo, Por que, Meu Deus?, A vaga, A Corrida dos Ratos, Eu Tive um Sonho, Monstro Gigante e Os Tempos Mudam.

      Nesse sentido, pretendemos entender a luz da Geografia a linhas escritas por Ogi em "Eu Tive um Sonho". É nítido e importante salientar que a faixa apresenta um contexto de um sujeito nordestino que, por questão de sobrevivência, migra para a "Cidade com Nome de Santo".

            Parte 1:

Meu pai me disse: vai cabra da peste,
Vai tentar a sorte muito longe do Nordeste
Tem seca no Nordeste, simbora filho
Segue sua sina mas não deixa nada te tomar o brilho
Olhei meu pai, me despedi, beijei mamãe, bênção pedi
Era hora de partir, subi no caminhão segui;
Ahhh...
Nem tive tempo de chorar
Eu tinha que ter muita garra
Visualizei o que eu sonhei pra mim;

     É de conhecimento geral que o Nordeste passa por constantes dificuldades provenientes da irregularidade das chuvas, esta é uma das características do geossistema da região. Porém, a palavra seca remete a um conceito bem maior que a simples falta d'água.

              Há uma forte ligação as formas de dominação sobre o território sertanejo utilizando como artifício esse contexto da irregularidade das chuvas. Em uma breve pesquisa na internet, perceberemos que há sim disponibilidade tecnológica para a amenização e, até mesmo, a solução para esse problema.

     O sertão nordestino foi desenvolvido a partir das atividades agropecuárias, posteriormente, mineração e, no contexto, atual percebe-se maior diversidade produtiva. Essa "diversidade" produtiva no Nordeste teve início com a criação e efetivação das ações da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) já na segunda metade do Século XX (1950). Esse período, entre 1950-1990, é que se verifica um grande fluxo migratório da população nordestina para São Paulo (a "Cidade com Nome de Santo").

        Esse período no Brasil foi muito significativo, quando se buscou um rápido crescimento industrial com um forte anseio político pela modernização do território nacional e os fatos comprobatórios foram a construção de Brasilia como cidade moderna e a interiorização da capital do país.

             A SUDENE teve grande participação no desenvolvimento industrial do Nordeste, buscando a significação das potencialidades no interior da própria região nordeste. No Rio Grande do Norte, o desenvolvimento industrial se voltou para a expansão da indústria têxtil já que uma das suas potencialidades era a produção algodoeira que vivia um bom momento durantes esse período.

        O desenvolvimento da indústria não se espacializa em todo o território, caracterizando-o como um dos movimentos da economia do Nordeste que resultou na concentração de renda de uma pequena parcela da população sertaneja. O produto dessa concentração de renda na região é um alto nível de desigualdade social.

              Em contrapartida se vê um alto desenvolvimento industrial na região Sudeste, ou melhor na Região Concentrada como chamou Milton Santos.

                Parte 2:

Maravilhado eu fiquei
Logo que aqui desembarquei
Agradeci, me ajoelhei
Glória Padim Ciço rei
Me apresentei pra trabalhar
Direto na carga pesada
Subi bondes, edifícios
Minha mão já calejava;
Ohh...
Conheci minha "filó"
Numa festa no forró
Me casei e construí o meu mocó

       A parte 2 mostra o quanto foi surpreendente chegar a São Paulo e, utilizando o mesmo recorte temporal (entre 50-90), pode ser percebido o grande desenvolvimento industrial que, consequentemente, influenciou em uma maior dinâmica socioespacial.
    
      Dessa forma, as políticas de industrialização desde a Era Vargas contribuíram para a concentração industrial na referida Região Concentrada. Somadas a isso, os esforços durante o Governo JK e o Regime Militar também reforçou a concentração industrial e as disparidades regionais.

       É no sentido de um espaço altamente reproduzido, complexo de interação que caracterizam a maior metrópole brasileira, que o personagem da faixa se surpreende com a imensidão de São Paulo. Uma realidade de vida totalmente diferente da vivida no Nordeste. O processo de reprodução do espaço de São Paulo, recebeu um contributo muito importante e significativo dos nordestinos, tanto no que podemos referir a habitação nas periferias quanto na sua função como mão de obra barata. Além disso, esse fluxo migratório é um fator de expansão da territorialidade nordestina, tendo em vista que a cultura se mantém nos costumes do personagem.

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